"Tudo começou pelo olhar. Foi nos meus olhos que o amor começou...Eu só tinha aquilo que meus olhos ofereciam: uma imagem. Imagens são criaturas de luz. Foi isto que meus olhos viram, foi isto que amei..." [Rubem Alves]

segunda-feira, 24 de março de 2008

O amor é doce e distraído

Quero viver a vida como ela se apresenta, nada que faça muito sentido para que eu mesma poça sentir o que ninguém pode tirar de mim...criar, inventar, imaginar, sonhar...e amar os poetas...mesmo aquele que tenho visto pouco em seus textos...fazem parte do meu "Eu" que está aqui...

Hoje, caminhando para dias mais tranquilos de reflexão e bem-estar, vou aproveitar para pensar em tudo como se fosse só hoje...fazer destes dias boas leituras, apreciar a natureza e verificar a simplicidade das coisas e pessoas...que por onde vou passar com certeza serão mais simples e terão o que me ensinar e eu a aprender...e pensarei em alguém que escreve...bem distraída por aí... ao som dos pássaros a voar...voar...voar...

E neste momento... viajando ao som de Cristina Braga com sua Arpa (em uma apresentação de sólo sensacional), tocando "O que tinha que ser" de Vinícius de Moraes...e ainda... Clarice Lispector me dando uma história, "Por não estarem distraídos", brilhante...mandaram que eu olhasse com atenção as minhas escolhas...e então o fiz mais uma vez aqui...e uma coisa descobri, o amor é doce e distraído...é incondicional...e é o que tem que ser! *-*




Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector

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